Do roteiro ao filme, a mutação é total. O roteiro também terá sempre o status de um objeto em transição, cuja "confiabilidade" está sujeita a todo tipo de dúvida, a todos os remanejamentos possíveis. É desse caráter equívoco, ambíguo, incerto, que indiscutivelmente nasce -- e com o objetivo de exorcizar tanta indefinição -- o mito profissional do roteiro "sólido como cimento". Este termo detestável, que evoca a "cimentagem" de debates em partidos políticos (em que a metáfora significa uma posição fechada, incapaz de aceitar qualquer tipo de discussão), nos remete à angústia dos produtores, sempre obrigados a embarcar num projeto cuja rentabilidade nunca é possível prever de maneira segura; mas nos remete também à angústia do realizador, quando, pouco seguro dos limites e dos recursos de sua encenação, sonha apoiar-se sobre um texto que, em última instância, os defina.Não existe "roteiro-cimento". Há bons e maus roteiros, assim como há bons e maus romances. Acontece apenas que num roteiro, ao contrário do que acontece no romance, as palavras não valem por si próprias, o roteiro não é a obra em si mesma, é apenas o esqueleto verbal de um filme virtual. Um "bom roteiro" nunca é a garantia suficiente de um bom filme. Um diálogo magnífico, cenas fortes, uma narração capaz de matner sempre fixa a atenção do leitor, uma história mágica, tudo isso corre o risco de ser reduzido a nada por uma direção frouxa e pormaus atores. (p. 90-91)
Jean-Claude Carriere e Pascal Bonitzerem Prática do roteiro cinematográfico
No comments:
Post a Comment