18 July, 2006

Sobre roteiro

UNISINOS - CURSO DE REALIZAÇÃO AUDIOVISUAL
ROTEIRO - TRIMESTRE 2003/3
IDENTIFICAÇÃO DE PROBLEMAS NUM ROTEIRO
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Uma vez que se tenha na mão o primeiro tratamento de um roteiro, começa o trabalho de reescritura, considerado por alguns roteiristas como o mais complicado de todos. Uma das formas mais eficientes de se analisar um roteiro para reescrevê-lo consiste em tentar identificar os seus problemas.
Mas, para evitar que o processo de identificação de problemas se transforme num massacre que perca a perspectiva do próprio roteiro, é preciso entender três coisas: (1) que não há roteiro sem problemas, ou melhor, que todo roteiro sempre pode ser melhorado; (2) que qualquer ANÁLISE deve partir do reconhecimento dos fatores individuais do material (ao contrário da CRÍTICA, que parte do geral para o particular); e (3) que, uma vez identificados alguns problemas, não se deve confundir sintoma e doença, como quem tenta curar o paciente febril com doses maciças de antitérmico: muitas vezes não é possível corrigir o roteiro simplesmente reescrevendo o ponto onde o problema é mais evidente.
Pra começar, vamos dividir os problemas em 4 grandes categorias, que chamaremos: problemas de escrita, problemas de escritura, problemas de argumento e problemas de roteiro. Nosso assunto principal, é claro, são os problemas de roteiro.
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1. PROBLEMAS DE ESCRITA
Problemas de escrita dizem respeito ao ato de escrever, e independem de se estar escrevendo um roteiro ou qualquer outro tipo de texto. Evidentemente, não vamos nos aprofundar nesse aspecto, que nós brasileiros normalmente chamamos "erros de português". A única maneira de corrigi-los é lendo, escrevendo e pensando sobre o que se lê e escreve - de preferência, com um bom dicionário de um lado e uma boa gramática de outro.
1.1. ORTOGRAFIA - "Por incrívil que paressa, tem jente que nem presta atensão ao comteúdo de um rotero se ele tem problemas dece tipo. Puro preconseito!" É ruim, né?
1.2. ACENTUAÇÃO - Fora o inglês, todas as línguas do mundo possuem acentos, e a informática não os aboliu.
1.3. SINTAXE - Segundo o Aurélio, "parte da gramática que estuda a disposição das palavras na frase e das frases no discurso, bem como a relação lógica das frases entre si. Aí entram milhares de regrinhas de concordância, adequação, consecução, etc, cujo conhecimento pode ser trocado, com vantagens, por um bom "ouvido". O problema é que só lendo se adquire um bom ouvido pra essas coisas.
1.4. PONTUAÇÃO - É a maneira de usar sinais para encaixar as frases umas nas outras, facilitando a leitura.
1.5. DIGITAÇÃO (ou DATILOGRAFIA) - Muitas vezes, o que parece ser um grave problema dos tipos anteriores é apenas falta de atenção. Nada que uma boa revisão não resolva. E confiar no corretor ortográfico quase nunca dá certo.
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2. PROBLEMAS DE ESCRITURA
Também não são o nosso objetivo principal, mas é muito mais fácil analisar um roteiro quanto aos seus problemas "de fato" quando se tem certeza de que não há nele o que estamos chamando aqui "problemas de escritura". Uma vez eliminado esse tipo de problema, temos certeza que o roteiro está DIZENDO tudo o que o filme deve MOSTRAR.
2.1. FALTA DE ELEMENTOS DO ROTEIRO - Ou seja:
(a) falta de divisão de cenas, ou divisão incorreta ou confusa, dificultando a visualização das mudanças de cenário.
(b) falta de narração, ou narração imprecisa, provocando furos na visualização das ações, ou não entendimento da motivação dos personagens;
(c) falta de descrição dos personagens e cenários que aparecem pela primeira vez, dificultando a visualização;
(d) falta de falas ou falas em discurso indireto, ou apenas referidas;
(e) falta de rubricas, quando for necessário indicar o tom da fala ou a ação desenvolvida pelo personagem durante a fala.
2.2. EXCESSO DE ELEMENTOS DO ROTEIRO - Evitar divisões de cena demais, narrações excessivas, descrições detalhadas demais ou rubricas muito longas.
2.3. CONFUSÃO VISUAL ENTRE OS ELEMENTOS DO ROTEIRO - Ações inteiras ou descrições colocadas como rubricas, falas incluídas na ação, etc.
2.4. TEXTO EM 1a PESSOA
2.5. VERBOS NO PASSADO
2.6. TEXTO FORA DA ORDEM FÍLMICA - Ou falta de clareza na seqüência das ações: "Paulo senta e liga o computador após ter entrado na sala."
2.7. EXCESSO DE TERMOS TÉCNICOS - Utilização de elementos de decupagem: tipos de plano, movimentos de câmara, etc; ou referência explícita à forma de filmar, e não ao que deve ser visualizado: uso excessivo de palavras como "câmara", "corte", "vemos", etc.
2.8. AÇÕES, RELAÇÕES OU SENTIMENTOS NÃO FILMÁVEIS - Exemplo de sentimento: "Joaquim olha em direção ao cemitério e lembra de sua mãe que morreu há 14 anos." Exemplo de relação: "Paulo, irmão de Laura..." Na verdade, principalmente em relação às ações, tudo pode ser considerado filmável, e muitas vezes o erro se reduz a não explicar corretamente como é que uma determinada ação vai ser filmada. "Rodrigo percebe que foi enganado": como ficamos sabendo disso? Pela expressão do seu rosto? Por alguma interjeição? Ou por uma série de planos que, em conjunto, nos dêem essa idéia? O roteiro deve indicar COMO o público vai perceber isso.
2.9. TEMPO DE LEITURA MUITO DIFERENTE DO TEMPO FÍLMICO - Ações pouco importantes narradas com excesso de detalhes, ou então ações essenciais narradas de forma superficial. Esse tipo de erro dá uma sensação de desequilíbrio no roteiro.
2.10. NÃO UTILIZAÇÃO DA DECUPAGEM IMPLÍCITA - Ao deixar de usar essa poderosa arma do roteirista, o roteiro simplesmente se torna menos visual.
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3. PROBLEMAS DE ARGUMENTO
Ao contrário dos problemas de roteiro, os de argumento raramente podem ser corrigidos em uma reescritura, por dizerem respeito mais à fábula que à narrativa.
Eugene Vale cita uma série de "erros" que ele considera "quanto ao conteúdo do relato": falta de um conteúdo reconhecível; uso de fórmulas esgotadas; falta de relação com os interesses do público num determinado momento (ou seja, projeto não comercial); desproporção entre custo e atração (ou seja, projeto inviável).
Eu diria que todos os problemas de argumento podem ser resumidos em dois: (1) assunto, tema ou estrutura muito parecidos com o que já vimos; (2) assunto, tema ou estrutura diferentes demais de tudo o que já vimos.
Uma boa maneira de se evitar problemas de argumento é perguntando a si próprio: pra quê contar essa história? A dificuldade é que essa motivação nem sempre é clara mesmo para veteranos contadores de histórias, e além disso corre-se o risco de cair num "mensageirismo" ou num "utilitarismo" que não têm a ver com o objetivo da arte narrativa.
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4. PROBLEMAS DE ROTEIRO
A lista aqui apresentada não pretende ser exaustiva, e está dividida por aspectos conforme uma combinação das metodologias de Eugene Vale e Michel Chion. É importante salientar que Vale inicia sua lista advertindo: quem estiver livre de pecado (o que ele chama de "erros de roteiro") que atire a primeira pedra. O capítulo de Chion dedicado ao assunto chama-se "erros de roteiro (para melhor cometê-los)". E vale ainda o velho lema do Pasquim: "Se você não está em dúvida é porque foi mal-informado."
4.1. PROBLEMAS QUANTO À VEROSSIMILHANÇA:
- premissas falsas;
- excesso de coincidências ou coincidências muito favoráveis aos personagens;
- furos ou quebras na lógica interna da história;
- deus ex-machina (resolução da trama amparada em um elemento que até então não fazia parte do universo da história).
4.2. QUANTO À COMPREENSÃO:
- informação insuficiente;
- excesso de informação;
- emprego de símbolos incompreensíveis;
- falta de emoções universais.
4.3. QUANTO AO INTERESSE:
- informação repetida (não é o mesmo que informação reiterada);
- emprego de símbolos óbvios;
- emprego de emoções banais.
4.4. QUANTO À IDENTIFICAÇÃO:
- falta de relação entre os fatos do filme e a vida do espectador;
- falta de personagens simpáticos ou inconsistências na simpatia dos personagens.
4.5. QUANTO AOS PERSONAGENS:
- excesso de personagens ou personagens sem função clara;
- indefinição do protagonista;
- personagens mal caracterizados;
- personagens marionetes ou porta-vozes do roteirista;
- idiotice ou onisciência dos personagens;
- personagens incoerentes (não é o mesmo que personagens contraditórios);
- atraso ou falta de clareza na denominação do personagem;
- falta de transformação nos personagens;
- transformação súbita ou inaceitável.
4.6. QUANTO AOS DIÁLOGOS:
- excesso de diálogos;
- falsa seqüência de cinema mudo (falta de diálogos em momentos em que os personagens deveriam falar);
- diálogos explicativos ou forçados;
- diálogos irrelevantes;
- ação anterior recapitulada (e não induzida ou sugerida) nos diálogos;
- inadequação entre personagem e fala;
- narrativa de Terâmenes (ações completas reduzidas a diálogo sem motivo para isso);
- uso apenas funcional do OFF;
- referências a fatos que o público desconhece (antecipação) sem posterior desenlace;
- referências a personagens ainda não denominados.
4.7. QUANTO À DRAMATIZAÇÃO DAS CENAS:
- cenas evidentemente explicativas, por falta de conflito ou falta de identificação;
- cenas arrastadas ou cenas sem função (furos dramáticos);
- cenas curtas demais;
- cena mentirosa (que não seja claramente narrada ou imaginada por um personagem);
- excesso de cenas com início, meio e fim;
- excesso de cenas terminando em fermata;
- excesso de cenas sem ligação entre si;
- ligação entre as cenas muito evidente;
- repetição de recursos de ligação.
4.8. QUANTO AO CONFLITO:
- indefinição quanto ao tipo de conflito: interno, relacional, grupal ou cósmico;
- objetivo principal inexistente ou fraco;
- dificuldade principal fraca ou obstáculo facilmente contornável;
- sub-objetivo (ou MacGuffin) mal-entendido como objetivo principal;
- possibilidade desigual de sucesso;
4.9. QUANTO AO MOVIMENTO DA TRAMA:
- início impressionante demais (prejudicando a gradação);
- objetivo principal ou dificuldade principal expostos muito tarde;
- pontos lentos por falta de sub-objetivos;
- paradas porque os sub-objetivos não se sobrepõem;
- falta de gradação ou gradação irregular;
- descontinuidade de intenções;
- excesso de truques de narrativa (para contar uma história pouco consistente);
- falta de variação ou contraste entre as cenas;
- implante falso (não é o mesmo que pista falsa);
- flash-back apenas explicativo;
- antecipação sem desenlace;
- perda de oportunidade de suspense;
- clímax muito cedo;
- trama tão complicada que exige um desfecho imenso ou muito explicativo;
- objetivo principal obtido antes do fim;
- final súbito que não leva suas premissas às últimas conseqüências (final abortado);
ETC, ETC, ETC.
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Segundo Michel Chion:
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"O problema com os erros do roteiro é que isso acontece como num jogo de empurra. Quando se conserta um erro descoberto num determinado lugar, muitas vezes se produzem outros erros em outro lugar, de outra natureza. Quando se corrige, por exemplo, um erro de dramatização (cena arrastada) acentuando a reação de um dos personagens, muitas vezes há uma mudança na definição desse personagem, criando-se uma incoerência. Ou então, para estabelecer uma ligação verossímil entre certos fatos, criam-se extensões no desenrolar da história, isto é, para tapar furos lógicos criam-se furos dramáticos, e assim por diante.
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"Em outra palavras, num roteiro tudo está relacionado, não no sentido de uma solidariedade entre seus diferentes componentes, mas antes no sentido de um 'tirar de Pedro para dar a Paulo'. No entanto, inúmeros roteiros conseguem combinar maravilhosamente bem as exigências, às vezes até contraditórias, a que uma boa história deve satisfazer,
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"Para melhor cometê-los, diz o subtítulo provocador desse capítulo. Também não é fácil, todavia, cometer bem os erros, de uma maneira que tenha sentido e força, e isso muitas vezes requer tanta habilidade quanto não cometer erro nenhum."
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(Michel Chion, O ROTEIRO DE CINEMA, página 239)
Extraído de

1 comment:

Anonymous said...

Gostaria de deixar registrado minha tristeza com a organização da ELCV. Fui uma das pessoas escolhidas pela primeira fase da composição da nova turma e não passei na entrevista. Qual o critério utilizado pela Escola para avaliação do novo grupo? Percebi que havia muitas pessoas conhecidas entre si e entre os organizadores da Escola, além de conhecer um caso de uma pessoa que não passou na primeira fase e fez, mesmo assim, a entrevista da segunda fase. E passou.Não me lembro de ter ido mal na entrevista. Estava bem e conversei tranquilamente, sem nervosismo, sem ansiedade. Estava com IMENSO interesse em integrar a nova turma, mesmo sabendo das dificuldes que encontraria no caminho. Desculpem-me mas não achei justo o fato de não ter passado considerando-me forte
à candidatura, sem pretensionismo ou falsa modéstia. Espero que com o tempo considerem fatos mais fortes para classificação dos próximos candidatos. Quesitos muito mais nítidos e métodos muito mais claros. Transparência nas escolhas é sempre um forte aliado em uma nova empreitada. AInda assim desejo-lhes sucesso e um forte abraço. Triste estou, mas continuarei na luta.