Andrei Tarkovski escreve:
"Quando um escritor e um diretor partem de diferentes pressupostos estéticos, o impossível chega a um acordo. Trata-se de algo que destrói a própria concepção do filme. O filme não acontecerá.
Quando se verifica um tal conflito, só existe uma solução: transformar o roteiro literário em uma nova trama que, numa certa etapa da realização do filme, passa a chamar-se decupagem técnica. E, ao longo do trabalho sobre este roteiro, o autor do filme (não do roteiro, mas do filme) tem o direito de introduzir no enredo as modificações que julgar necessárias. Tudo o que importa é que a sua visão seja coerente e integral, e que cada palavra do roteiro lhe seja cara e venha filtrada pela sua experiência criativa pessoal. Pois, entre as pilhas de páginas escritas, os atores, as locações escolhidas e até mesmo o mais brilhante dos diálogos e os desenhos dos artistas, predomina uma só pessoa: o diretor, e ninguém mais, como o filtro definitivo do processo de criação cinematográfica.
Portanto, sempre que o roteirista e o diretor não forem as mesmas pessoas, testemunharemos uma contradição insolúvel. Isto, naturalmente, quando forem artistas de princípios íntegros. Eis porque vi o conteúdo do conto [A infância de Ivan] simplesmente como um possível ponto de partida, cuja essência vital seria de ser reinterpretada à luz de minha visão pessoal do filme a ser realizado.
Aqui vemo-nos diante do problema de saber até que ponto um diretor tem o direito de ser roteirista. Algumas pessoas negar-lhe-iam categoricamente qualquer possibilidade de envolvimento com a criação do roteiro. Os diretores que se inclinam a escrever roteiros tendem a ser asperamente criticados, embora seja por demais óbvio que alguns escritores sintam-se muito mais distantes do cinema do que os diretores. A inclinação contida em tal atitude é, portanto, bastante bizarra: todos os escritores têm o direito de escrever roteiros, o que não se permite a nenhum diretor fazer. Ele deve aceitar humildemente o texto que lhe é oferecido e transformá-lo numa decupagem técnica.
(...)
in Esculpir o tempo, pp. 14-16
"Quando um escritor e um diretor partem de diferentes pressupostos estéticos, o impossível chega a um acordo. Trata-se de algo que destrói a própria concepção do filme. O filme não acontecerá.
Quando se verifica um tal conflito, só existe uma solução: transformar o roteiro literário em uma nova trama que, numa certa etapa da realização do filme, passa a chamar-se decupagem técnica. E, ao longo do trabalho sobre este roteiro, o autor do filme (não do roteiro, mas do filme) tem o direito de introduzir no enredo as modificações que julgar necessárias. Tudo o que importa é que a sua visão seja coerente e integral, e que cada palavra do roteiro lhe seja cara e venha filtrada pela sua experiência criativa pessoal. Pois, entre as pilhas de páginas escritas, os atores, as locações escolhidas e até mesmo o mais brilhante dos diálogos e os desenhos dos artistas, predomina uma só pessoa: o diretor, e ninguém mais, como o filtro definitivo do processo de criação cinematográfica.
Portanto, sempre que o roteirista e o diretor não forem as mesmas pessoas, testemunharemos uma contradição insolúvel. Isto, naturalmente, quando forem artistas de princípios íntegros. Eis porque vi o conteúdo do conto [A infância de Ivan] simplesmente como um possível ponto de partida, cuja essência vital seria de ser reinterpretada à luz de minha visão pessoal do filme a ser realizado.
Aqui vemo-nos diante do problema de saber até que ponto um diretor tem o direito de ser roteirista. Algumas pessoas negar-lhe-iam categoricamente qualquer possibilidade de envolvimento com a criação do roteiro. Os diretores que se inclinam a escrever roteiros tendem a ser asperamente criticados, embora seja por demais óbvio que alguns escritores sintam-se muito mais distantes do cinema do que os diretores. A inclinação contida em tal atitude é, portanto, bastante bizarra: todos os escritores têm o direito de escrever roteiros, o que não se permite a nenhum diretor fazer. Ele deve aceitar humildemente o texto que lhe é oferecido e transformá-lo numa decupagem técnica.
(...)
in Esculpir o tempo, pp. 14-16
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