Vem-nos à lembrança a maneira como, depois da aparição de Um Chien Andalou, Luis Buñuel teve que se esconder dos burgueses enfurecidos, chegando mesmo a levar um revólver no bolso sempre que saía de casa. Era o começo; como se costuma dizer, ele já começara a escrever por linhas tortas. O homem comum, que começava a se acostumar com o cinema como uma forma de divertimento que a civilização lhe oferecia, horrorizou-se diante das imagens e símbolos dilacerantes, destinados a épater, deste filme, realmente difícil de aceitar. Mesmo aqui, porém, Buñuel foi artista o suficiente para dirigir-se ao seu público não em linguagem de manifesto, mas no idioma emocionalmente contagioso da arte. Com que extraordinária precisão escreveu Tolstoi em seu diário, em 21 de março de 1858: “A política não é compatível com a arte, pois a primeira, para provar seus argumentos, precisa ser unilateral: exatamente para que possa ser chamada de verdadeira, ela deve unir em si mesma fenômenos dialeticamente contraditórios.
É natural, portanto, que nem mesmo críticos especializados tenham a necessária sutileza para procederem à análise das idéias de uma obra e do seu conjunto de imagens poética. Pois, na arte, uma idéia só existe nas imagens que lhe dão forma, e a imagem existe como uma espécie de apreensão da realidade através da vontade, que o artista realiza de acordo com suas próprias tendências e as idiossincrasias de sua visão de mundo. (p. 61)
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Esculpir o tempo, Andrei Tarkovski. 2a. edição, São Paulo. Martins Fontes, 1998.
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Luis Buñuel - Um cão andaluz (Un chien andalou)
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